Existe um lugar para todos. Existe um lugar onde todos nos sentimos ligados ao mundo. A nossa natureza brilha mais alto. Seguros que as nossas características divergentes do outro não serão causa de abandono. De crítica destrutiva. De desamor. Deveria ser uma garantia. Mas não é. Por isso para a criança sentir que a sua natureza lhe oferece um lugar seguro na família é tão importante.

As crianças precisam de sentir essa segurança. Precisam fazer essa ponte com os seus próprios “defeitos” de forma carinhosa. Precisam viver, nessa ponte de ligação com o mundo e com os outros, através do amor e da aceitação. Os pais são os alicerces dessa obra. Nos primeiros anos de vida da criança a ponte para o mundo é desenhada pelos pais. Não só da forma como lhes explicam as emoções mas sobretudo pelo modo como vivem emocionalmente as suas próprias dificuldades e desafios.

Por essa razão e quando, por algum motivo, os pilares da ponte estão frágeis, instáveis ou inacabados o tabuleiro oscila. Balança instavelmente até com uma pequena brisa. Pode nunca ruir mas viver com o medo que aconteça é doloroso. Mas se aprenderam que chorar é para fracos. Se viram os pais “vestidos” de arrogância emocional acabarão por se perder entre serem quem são e esconderem dos outros a sua vulnerabilidade que nos caracteriza a todos.

Se o amor é o que constrói, a desarmonia faz o oposto.

O que pode uma criança sentir quando os pais gritam com ela? Ralham sistematicamente. Balizam sistematicamente o que fazer ou não? Criticam e julgam tudo o que as crianças fazem. Se está mau está errado se está bom poderia ser melhor. O que pode restar da ponte? Ou melhor como fica esta ponte desenhada na mente e coração da criança. Exemplos? Há muitos. A tentação para o isolamento é um deles. Crianças inseguras fogem do confronto com a realidade. Da autodescoberta. Vivem atolados co que conhecem. Desconfiam de tanto de si e do que são capazes de fazer que perante um desafio agarram-se ao medo da rejeição. E sem espeitar para dentro da coragem que os espera jamais conseguirão ver que a vida também se pinta de alegria mesmo com o medo.

Gostaria de dizer que quando os pais se demitem do papel de serem adultos amorosos e construtivos apenas se estão a ferir de morte a eles mesmos. Mas infelizmente não é verdade. A praga de tristeza inunda todos os que com eles vivem e convivem. Não se deixam cuidar. Podemos com os gritos e subornos emocionais estar a contribuir para sucessivas gerações de opacos corações orgulhosamente sofredores. Uma versão sofisticada de mais vale só do que mal acompanhado pelos afectos.

Há a forte possibilidade de a criança crescer a acreditar que as pessoas são assim, zangadas. E que a zanga é o passaporte para um abismo de violência crescente. Há a forte possibilidade de a criança aceitar que a melhor forma viver com os afectos zangados, seus e dos outros, é esconde-los ou fugir. Virar as costas à possibilidade de construir harmonia como se sentir “cenas” desagradáveis fosse um enorme “bug” no sistema emocional. Que ilusão desmedida.

Que tristeza de alma tão grande é viver assim. Aceitar a nossa dimensão humana é abrigar em nós a necessidade de conhecermos as emoções. E como estamos condenados a viver com os outros e através da relação com os outros o tabuleiro teimará em tremer sempre que a família emocional da zanga entrar na nossa vida. Para alguns, a figura da zanga acompanhá-los-á até idades mais maduras. O ideal é que percebam que afinal o amor dos outros, dos que amam mesmo, é a cura para a doença da zanga vivida em criança. Afinal só o amor pode curar o que a zanga adoeceu.

Sobreviver é o que nos resta quando escolhemos pagar a portagem dessa ponte. Como educar é estabelecer pontes entre a natureza da criança e o lugar certo para ela a poder viver não existem cartilhas. Nem caminhos únicos para todos. Existe isso sim a ideia verificada que o caminho bom não contempla atalhos. Dá trabalho e exige muito dos pais e das crianças. Afinal ninguém prometeu que o amor era fácil. E quem nesse percurso escolhe atalhos (educacionais) acabará por se meter em trabalhos.

Amem-se. E perdoem os vossos gritos. Os que ouviram. E sobretudo os que deram.