Nem sempre nos deixamos levar pela vida. Em muitas oportunidades teimamos em agarras oportunidades que já passaram. Iludidos como quem acredita que é possível agarrar o nevoeiro com as mãos.
Numa conversa de pequeno-almoço com a minha filha sobre o tema “fazer bem as coisas” dizia-lhe que podemos sempre começar de novo. Procurar o melhor de nós mesmos em tudo o que estamos a fazer. Dei-lhe o exemplo de estalar os dedos. Foi uma tarefa que ela desde cedo treinou e hoje é “mestre”. Acreditou sempre que seria possível com os seus pequenos dedos produzir o som característico do encontro entre o polegar e o médio. Utilizo sempre este episódio da sua vida quando lhe quero dar a imagem de que devemos sempre continuar para a frente dando o nosso melhor. Os resultados virão naturalmente.
Enquanto ela trincava a torrada percebi que na cabecinha dela se estava a preparar nova ofensiva. Aquele olhar fixo em mim aconselhava-me a preparar-me para uma rendição. Foi apenas uma questão de tempo.
Lá veio ela.
“Mas quando fazemos mal como fazemos?”
Disse-lhe. “Voltamos atrás e corrigimos o erro. Depois seguimos em frente com determinação.” A minha resposta pareceu-me espetacular. Sentia-me no controlo da situação. Afinal 39 anos de vida sempre servem para ajudar uma criança a crescer. Estava em alta a minha autoestima. Aproveitei o momento a acrescentei com ar de sabedoria de pai. Aquele ar de quem vai remata o assunto e mostrar que sempre que for preciso estarei aqui com a minha vivência. “É assim que se faz filha.”
A pausa sem torrada fez antever o pior. Tremi por dentro. Os olhos dela brilhavam como se tivesse descoberto uma verdade que mudaria a sua vida. E foi mesmo. Tomou balanço e avançou sem piedade.
“Pai. As únicas coisas que voltam para trás são os DVDs. Não se pode voltar atrás na vida.”
Aproveitei que estava a beber leite e mantive o olhar para dentro da caneca. Nunca demorei tanto tempo a beber 0,00001 ml. Sentia-me protegido por uma caneca que dizia “Adoro-te pai”. A vulnerabilidade do momento encostou-se a mim como uns calções de licra. Sentia-me apertado pela verdade das palavras de uma criança de 5 anos.
Durante o dia fiquei com este pensamento. A vida é rola independentemente da nossa vontade. Somos testemunhas da vida que acontece em nós. O arrependimento perante a constatação do erro só atrapalha o caminho para o melhoramento. Nada podemos fazer para voltar atrás. Resta-nos honrar a aprendizagem feita e acrescentar a cada momento os ingredientes do agora.
A verdade tinha-me sido revelada. A vida pode ser um filme mas não volta para trás.
Pedi-lhe autorização para escrever este texto. Achou piada ao meu pedido e concedeu-me.
Votos de uma vida feliz e sempre em frente. Porque voltar atrás só com DVD.