O ambiente é frenético. Todos percebem, pais, filhos e professores que algo de novo vai acontecer e mudar para sempre as nossas vidas. Afinal, quem não se lembra do seu primeiro dia de aulas na primária. Marcante, não é?

Sentados num banco do recreio esperamos pela “chamada” que parece tardar e assim adiar o “adeus”. Agarrada a mim, sente-se a turbulência das suas ainda verdes emoções. Os seus 6 anos concedem-lhe uma mistura de medo e curiosidade sobre a novidade que vai chegar. O seu coração parece estar apertado. E o meu também. Cada segundo que passa tem em si o tempo da eternidade. Ambos sabemos que chegará o momento de cada um ganhar uma nova vida. Ela sozinha. E eu sem ela. Afinal é para momentos como estes que crescemos juntos. Sei que não somos um do outro. A cabeça sabe disso. Mas o coração ainda não aprendeu essa lição. Será a lição de uma vida. E nenhum coração aprende sem viver. Por isso acolho as suas lágrimas com a experiência que a vida me deu que tudo acontecerá como tem de acontecer.

Dei o meu melhor. Ela também. O nosso percurso trouxe-nos até aqui. Estamos ansiosos pela chamada necessária de novas aprendizagens. Com medo do que nos vai ser mostrado. É a vida a acontecer nos nossos corações.

Finalmente, salvos pela campainha, começa o momento que afastámos da nossa mente enquanto nos distraiamos com as novidades. Um dos meninos acelerou o processo. Decidiu avisar, com a sua sirene emocional vocal, que não queria ficar. O Guiness Book perdeu uma oportunidade de ouro para registar a maior sirene emocional coletiva. Pareciam pedras de dominó. Umas atrás as outras foram caindo. Mantive a calma exterior. Ela precisava disso.

Mas, como a nossa voz tem a melodia do coração, as notas musicais das minhas palavras traziam um vibrato diferente. Parecia que o Nuno da Camara Pereira estava a por música nas minhas cordas vocais. Disse-lhe: “Tem um bom dia de escola filha.” Respondeu em modo soprano coloratura “Não quero ficar aqui. Quero ir contigo.” Sem tempo para resgatar o Chuck Norris emocional que há em mim respondi forte, consistente e num estruturante falsete:Pode ser difícil ires sozinha conheceres coisas novas. Mas é muito importante, para ti, saberes do que és capaz. Vamos ter de aceitar este desafio. Tu e eu. E com a coragem que temos nos nossos corações vai ser mais fácil.” Fiz uma pausa porque o falsete desgasta-me. Continuei depois com um “Como vamos fazer isto?” Estávamos à porta da escola. O professor disse-nos. “O pai, se quiser, pode ir até ao início das escadas.” Assim fiz. Mas o chão tremia.

Ela, deu três passos em frente. O choro estava a tomar conta da situação. A estrutura estava abanar. Mas nesse momento algo aconteceu dentro dela. Olhou para mim. Olhei para ela. A chorar deu mais três passitos em frente. Olhou para trás. Respirou fundo. Levantou a cabeça e foi. Depois de 2 segundos deixei de a ver e de a ouvir. Assumiu o seu poder pessoal. E eu tinha sido testemunha desse momento único. Senti orgulho da sua escolha.

De agora em diante tudo será diferente. Deixei o recreio e fui tomando consciência do que tinha acontecido comigo. Fui testemunha de um momento de crescimento da minha filha. Isso vale tudo pelo que tenha de passar. Ela ganhará com isso.

A angústia passa. O medo é uma ilusão que não resiste à ação. Estou feliz por ela. Muito feliz. Tive o privilégio de a acompanhar até às escadas. Mas é ela que as tem que subir.

Mas no meu coração acordou-se a memória de uma infância vivida. Acredito que o medo que senti, em parte, era da minha vivência. Resta-me agora curar a ferida que possa ter ficado desde esse tempo.

Agora é entre mim e mim. Levanto a cabeça. Respiro fundo. E vou em frente.