Conheci em tempos uma pessoa muito espiritual. Quis saber melhor o que poderia significar esse adjetivo. Muito parecia-me imenso. Tal como o Universo. Fazia sentido e ao mesmo tempo não. Vejamos.

Vestia-se de branco. Este tipo de pessoa acredita que vestir de branco aproxima-nos do cosmos. Deve ser da bainha ser feita com linha branca.

Falava calmamente. Pausadamente quando acedia a patamares espirituais inacessíveis ao comum dos mortais. Isso não se verificava no trânsito. Acredito que o autor do livro “A Arte Subtil de Saber Dizer Que Se Foda” andou algumas vezes de carro com ela. Era de uma subtileza espiritual linguística do ca***lho. Por esta razão as pessoas do norte são muito mais ligadas ao cosmos. Está-lhes no ADN espiritual.

Abria tanto os olhos que chegou a ter cãibras nas pálpebras. Acreditava que se arregalarmos os olhos, como o lobo mau do capuchinho vermelho, a espiritualidade chegava mais depressa. Cheguei a assustar-me. Um dia vi um filme do Mr. Bean e contei-lhe. Começou a abrir ainda mais os olhos. Por isso, ela, tinha um floral feito de água do Gerês desmineralizada na pousada S. Miguel para limpar as vistas. Mas apenas às quintas-feiras. Dizia que a energia virginiana estava mais activa nesses dias. Compreendo.

Mas passados estes anos todos vejo que fez escola. Encontro muitos discípulos.

Existem muitos seres super espirituais. Aliás, temos escalas de espiritualidade. Nada espiritual. Pouco espiritual. Quase um bocadinho espiritual. Um pouco espiritual. Normal espiritual. Muito espiritual. Muito mesmo muito espiritual. Super espiritual. Mega espiritual. Só espiritual. Normalmente quanto maior é a escala mais longe da matéria se encontram. Chega a ser difícil estar com eles. Sofrem com a nossa ausência de espiritualidade. Somos muito básicos. Eu pelo menos sou.

Acredito que será uma questão de tempo até termos uma competição espiritual. Uma espécie de Liga Profissional de Espiritualidade. Debates diários. Comentadores de debates. Casas de apostas. Totoespiritual. Euro-espiritual.

Desisti. Aceitei a minha mera condição humana. Descobri que ser espiritual não é uma vontade. É uma condição inerente à nossa existência. Somos o que conseguimos ver em nós. Somos o que damos aos outros sem competirmos. Somos a verdade que sentimos nos nossos corações. Somos as nossas fraquezas. Somos a capacidade de nos darmos aos outros. Somos tudo isso e por isso estamos a reaprender quem somos.